Ômicron é menos agressiva por ‘poupar’ os pulmões, indicam estudos
Em comparação a variantes anteriores, esta nova cepa produziu infecções menos graves, muitas vezes limitadas às vias respiratórias superiores: nariz, garganta e traqueia
Uma série de novos estudos em animais de laboratório e tecidos humanos está fornecendo a primeira indicação sobre o motivo que faz a variante Ômicron causar um quadro mais brando da Covid-19 do que as versões anteriores do coronavírus.
Em estudos com ratos e hamsters, a Ômicron produziu infecções menos graves, muitas vezes limitadas às vias respiratórias superiores: nariz, garganta e traqueia. A variante causou muito menos danos aos pulmões, onde as variantes anteriores costumavam causar cicatrizes e sérias dificuldades respiratórias.
— É preciso dizer que a ideia de uma doença que se manifesta principalmente no sistema respiratório superior está surgindo — afirmou Roland Eils, biólogo computacional do Instituto de Saúde de Berlim, que estudou como os coronavírus infectam as vias aéreas.
Em novembro, quando o primeiro caso sobre a variante Ômicron foi reportado na África do Sul, os cientistas só poderiam especular como seria o comportamento da nova cepa em comparação às versões anteriores do vírus. Tudo o que sabiam era que ela tinha uma combinação diferente e preocupante de mais de 50 mutações genéticas.
Pesquisas anteriores haviam mostrado que algumas dessas mutações permitiam que os coronavírus se agarrassem às células com mais força. Outras, que o vírus escapasse dos anticorpos, que servem como uma das primeiras linhas de defesa contra a infecção. Mas como a nova variante poderia se comportar dentro do corpo ainda era um mistério.
— Não é possível prever o comportamento do vírus apenas pelas mutações —, disse Ravindra Gupta, virologista da Universidade de Cambridge.
No mês passado, mais de uma dúzia de grupos de pesquisa, incluindo o de Gupta, observaram o novo patógeno em laboratório, infectando células em placas de Petri com Ômicron e espalhando o vírus no nariz dos animais.
Enquanto trabalhavam, a Ômicron se espalhou pelo planeta, infectando prontamente até mesmo pessoas que foram vacinadas ou se recuperaram de infecções.
Experimentos com animais confirmam menos gravidade
Mas, à medida que os casos disparavam, as hospitalizações aumentavam pouco. Os primeiros estudos com pacientes sugeriram que a nova variante tinha chance menor de causar doenças graves do que outras cepas, especialmente em pessoas vacinadas. Ainda assim, essas descobertas vieram com muitas ressalvas.
Por um lado, a maior parte das primeiras infecções por Ômicron ocorreu em jovens, que são menos propensos a adoecer gravemente com todas as versões do vírus. E muitos desses primeiros casos estavam acontecendo em pessoas com alguma imunidade de infecções anteriores ou vinda de vacinas. Não estava claro se a Ômicron também seria menos grave em uma pessoa idosa não vacinada, por exemplo.
Experimentos em animais podem ajudar a esclarecer essas ambiguidades, porque os cientistas podem testar a variante em animais idênticos que vivem em condições idênticas. Mais de meia dúzia de experimentos tornados públicos nos últimos dias apontaram para a mesma conclusão: a Ômicron é mais branda do que o Delta e outras versões anteriores do vírus.
Na quarta-feira, um grande consórcio de cientistas japoneses e americanos divulgou um relatório sobre hamsters e camundongos que haviam sido infectados com a Ômicron ou uma das várias variantes anteriores. Os infectados com Ômicron tiveram menos danos aos pulmões, perderam menos peso e eram menos propensos a morrer, concluiu o estudo.
Embora os animais infectados com Ômicron em média experimentassem sintomas muito mais brandos, os cientistas ficaram particularmente impressionados com os resultados em hamsters sírios, uma espécie conhecida por ficar gravemente doente com todas as versões anteriores do vírus.
— Isso foi surpreendente, uma vez que todas as outras variantes infectaram fortemente esses hamsters —, disse Michael Diamond, virologista da Universidade de Washington e coautor do estudo.
Vários outros estudos em ratos e hamsters chegaram à mesma conclusão. (Assim como a maioria das pesquisas urgentes da Ômicron, esses estudos foram postados online, mas ainda não foram publicados em periódicos científicos.)
Anatomia do vírus
O motivo de a Ômicron ser mais suave pode ser uma questão de anatomia. Diamond e seus colegas descobriram que o nível de Ômicron no nariz dos hamsters era o mesmo dos animais infectados com uma forma anterior do coronavírus. Mas os níveis de Ômicron nos pulmões eram um décimo ou menos do nível de outras variantes.
Uma descoberta semelhante veio de pesquisadores da Universidade de Hong Kong, que estudaram pedaços de tecido retirados das vias aéreas humanas durante uma cirurgia. Em 12 amostras de pulmão, os pesquisadores descobriram que a Ômicron cresceu mais lentamente do que a Delta e outras variantes.
Os pesquisadores também infectaram o tecido dos brônquios, os tubos na parte superior do tórax que levam o ar da traqueia aos pulmões. E dentro dessas células brônquicas, nos primeiros dois dias após uma infecção, a Ômicron cresceu mais rapidamente do que a Delta ou a cepa original.
Essas descobertas terão de ser acompanhadas por mais estudos, como experimentos com macacos ou exame das vias aéreas de pessoas infectadas com Ômicron. Se os resultados forem válidos para análise, eles podem explicar por que as pessoas infectadas com a variante parecem menos propensas a serem hospitalizadas do que aquelas com Delta.
As infecções por coronavírus começam no nariz ou possivelmente na boca e se espalham pela garganta. Infecções leves não vão muito além disso. Mas, quando o coronavírus atinge os pulmões, pode causar sérios danos.
As células imunológicas nos pulmões podem reagir de forma exagerada, matando não apenas as células infectadas, mas também as não infectadas. E podem produzir inflamação descontrolada, deixando cicatrizes nas delicadas paredes do pulmão. Além do mais, os vírus podem escapar dos pulmões danificados para a corrente sanguínea, desencadeando coágulos e destruindo outros órgãos.
Gupta suspeita que os novos dados de sua equipe forneçam uma explicação molecular de por que a Ômicron não se sai tão bem nos pulmões.
Muitas células do pulmão carregam uma proteína chamada TMPRSS2 em sua superfície, que pode inadvertidamente ajudar a passar os vírus a entrarem na célula. Mas a equipe de Gupta descobriu que esta proteína não se agarra muito bem à Ômicron. Como resultado, a variante faz um trabalho pior ao infectar as células do que a Delta. Uma equipe da Universidade de Glasgow chegou à mesma conclusão.
Por meio de uma rota alternativa, os coronavírus também podem se infiltrar nas células que não produzem TMPRSS2. Mais acima nas vias respiratórias, as células tendem a não transportar a proteína, o que pode explicar a evidência de que a Ômicron é encontrada ali com mais frequência do que nos pulmões.
Garganta e nariz
Gupta especula se a Ômicron tenha evoluído para uma doença das vias aéreas superiores, atacando garganta e nariz. Se isso for verdade, o vírus pode ter uma chance melhor de ser expelido em pequenas gotas no ar circulante e encontrar novos hospedeiros.
— É tudo sobre o que acontece nas vias aéreas superiores para que ele transmita, certo? Não é realmente o que acontece lá embaixo nos pulmões, onde ocorrem as doenças graves. Assim, você pode entender por que o vírus evoluiu dessa forma — explicou.
Embora esses estudos ajudem a explicar claramente por que a Ômicron causa quadros mais leves, eles ainda não respondem por que a variante é tão boa em se espalhar de uma pessoa para outra. Os Estados Unidos registraram mais de 580 mil casos só na quinta-feira, a maioria dos quais se pensa ser de Ômicron.
— Esses estudos abordam a questão sobre o que pode acontecer nos pulmões, mas não abordam realmente a questão da transmissibilidade — disse Sara Cherry, virologista da Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia.
Diamond explica que gostaria de esperar que mais estudos sejam realizados, especialmente em pessoas, em vez de animais, antes de endossar a hipótese de que o TMPRSS2 é a chave para a compreensão da Ômicron. “Acho que isso ainda é prematuro”, disse ele.
Os cientistas sabem que parte do contágio da variante vem de sua capacidade de evadir anticorpos, permitindo que ele entre facilmente nas células de pessoas vacinadas com muito mais facilidade do que outras variantes. Mas eles suspeitam que a Ômicron também tenha outras vantagens biológicas.
Na semana passada, os pesquisadores relataram que a variante carrega uma mutação que pode enfraquecer a chamada imunidade inata, um alarme molecular que ativa rapidamente nosso sistema imunológico ao primeiro sinal de invasão no nariz. Mas serão necessários mais experimentos para ver se este é realmente um dos segredos do sucesso da Ômicron.
— Pode ser tão simples quanto, isso é muito mais vírus na saliva e nas passagens nasais das pessoas — disse Cherry.
Mas pode haver outras explicações para sua disseminação eficiente: pode ser mais estável no ar ou infectar melhor novos hospedeiros.
Fonte: O Globo