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Aos 90 anos, Dona Iracema mantém rotina de sempre com seus bichos de estimação

Dona de um coração imenso, Iracema Prado Dumont, 90 anos, é uma mulher de muita fé, que acredita na beleza da simplicidade da vida; seu amor pelos bichos é tão profundo quanto sua devoção espiritual. Disso ninguém duvida, afinal é uma personalidade muito conhecida – e querida – na cidade pela luta que travou – e continua travando – no combate ao abandono de animais.

OBemdito foi visitá-la para saber como está e se deparou com uma Dora Iracema contente, falante e… focada na missão que acredita ter sido dada por Deus para ela, a de proteger os animais, fornecendo abrigo, comida e amor [inabalável, diga-se de passagem].

E assim faz: moram com ela, numa pequena casa no centro da cidade, trinta cães e quatro gatos, resgatados na rua, quase todos com algum problema sério de saúde.

Ela diz que sua conexão especial com eles permite dias tranquilos: “Não sinto solidão! Meus bichinhos me distraem, me divertem; nosso convívio é prazeroso… ah, eles são tão felizes! Cada um tem seu encanto!”.

Reconhece que dão trabalho, preocupação e custam caro. “Mas sempre dou um jeito; enquanto eu tiver vida, eles ficam aqui, porque compreendo que toda criatura de Deus merece respeito e cuidado”, ensina a professora aposentada.

Durante nossa conversa, ela contou muitos casos. Um deles, que tirou seu sossego, foi uma hérnia cervical que fez sua mascote Cigana gemer de dor por dias; a solução seria uma cirurgia de alta complexidade, que custaria R$ 4 mil. “Eu não tinha esse dinheiro todo; mas precisava resolver… o sofrimento dela me deixava muito mal!”

O que fez? O de sempre: implorou desconto para o médico e conseguiu… ficou em R$ 3,5 mil. Depois, começou a se organizar para fazer um empréstimo, mas não precisou… “Olha se não é coisa de Deus? Na véspera da cirurgia uma amiga, que há vinte anos não conversávamos, me ligou para saber como eu estava… eu disse que estava bem, mas com um problemão para resolver e expliquei a situação… pois ela me mandou mil reais, depois outra amiga doou 500 e uma outra 300… Nem precisei fazer o empréstimo! Foi uma bênção!” A cirurgia foi um sucesso e Cigana passa bem.

Para se manter, Dona Iracema recebe ajuda financeira dos filhos, que entendem e apoiam os esforços da mãe em prol dos bichos; mas pela credibilidade que conquistou recebe muito apoio também da comunidade umuaramense.

“Muitas pessoas me ajudam! Tem um professor da Unipar que me repassa o dinheiro que eu gasto com a compra da ração para os gatos que eu trato na rua… são mais de mil reais que ele me dá todo mês”, conta, sem citar nomes, a fundadora da ong Saau (Sociedade de Amparo aos Animais de Umuarama).

Sim, além dos que circulam pelo quintal e varanda [vários idosos, aleijados, cegos e doentes] tem os de rua; são quinze gatos, que duas vezes por dia vão comer ração na calçada da casa dela.

E por que não repassa esse compromisso para a Saau: “Porque a Saau está lotada! Não tem mais espaço lá, não! Só quem conhece a Saau entende a Saau”. [A ong abriga cerca de 1500 cães e gatos abandonados ou resgatados por maus-tratos.]

Dona Iracema: zelando pelos animais e inspirando outras pessoas a fazerem o mesmo – Foto: Danilo Martins/OBemdito

Invencível e incomparável

Eleita Cidadã Honorária de Umuarama em 2017, Dona Iracema chegou na cidade 1969. Deu aula em diferentes colégios, ao mesmo tempo em que militava em prol dos bichos. “Cheguei a ter aqui em casa 150 cães e 200 gatos; os vizinhos reclamavam dos latidos, faziam abaixo-assinado, mas nunca desisti”.

Só deu uma sossegada quando conseguiu, com colaboração dos colegas da ong, de lideranças do município e da imprensa, convencer o poder público para a construção de um canil, o que aconteceu em 2004 [sete anos depois da criação da Saau]: “Foi quando transferi a bicharada toda para lá; toda, não… fiquei com alguns”.

Seu zelo nessa missão era [e é] incomparável. “Eu formei uma rede de apoio forte, com pessoas dispostas a contribuir na causa; entre esses aliados, estavam muitos veterinários… Sempre me esforcei para garantir que cada animal socorrido tivesse a melhor qualidade de vida possível”.

E tinha outro capricho: dedicava seu tempo e recursos para encontrar lares amorosos para os animais que resgatava, garantindo que fossem adotados por pessoas responsáveis. “Até hoje sou assim; só entrego o animal se vejo que a pessoa que o quer garantir que vai cuidar muito, mas muito bem dele”.

Nessa caminhada, a resiliente Dona Iracema soube também compartilhar sua fé e paixão, inspirando outros a se envolverem na causa: sua bondade e compaixão acabaram contagiando e muitos seguem seu exemplo, tanto que a Saau hoje conta com mais de cem voluntários.

Na cozinha, um dos locais de reza: santinhos fazem parte do cenário que valida sua devoção – Foto: Danilo Martins/OBemdito

Terço, missa e o fusca azul

Impossível desvincular a Dona Iracema dos seus pets, ok! No entanto, fica difícil também não relacionar a sua imagem ao fusquinha azul 80/81, que ainda está lá, de prontidão, na sua garagem. “É um carro bom, não dá oficina e atende minhas necessidades”.  

Sim, ela ainda dirige; com ele, vai à missa todos os dias. “Vou à das seis e meia, porque não tem movimento nas ruas; vou mais cedinho para encontrar vaga de estacionamento bem em frente à igreja”.

E, lógico, a igreja que ela frequenta é a do padroeiro, São Francisco de Assis, um dos santos que mais recebem seus clamores, assim como Nossa Senhora. É muita devoção: reza mais de mil ave-marias todos os dias.  

“Eu acordo às três horas da manhã para dar conta de fazer minhas orações; até dar a hora de me trocar para ir à missa, rezo quatro rosários: em celebração ao nascimento de Jesus; em agradecimento à Virgem Maria, por nos ter dado Jesus; pedindo perdão pelo sofrimento de Jesus; e clamando pela volta de Jesus”, explica.

Depois da missa, na varanda da casa, mais uma série de preces entra na sua rotina: desta vez intercede pela paz mundial, pelos aleijados, idosos, doentes nos hospitais, famílias e crianças abandonadas, provando que a fé é seu alicerce.

Dona Iracema e seu fusca azul: com ele vai à missa todos os dias – Foto: Danilo Martins/OBemdito

Ah, importante destacar: ela pratica sua religiosidade: “Eu ajudo os pobres – todos os dias sirvo café com sanduíche para três que vêm na porta da minha casa; contribuo com a Uopeccan; faço doação de cesta básica, entre outras coisas”.

Voltando ao fusca azul: “Uma vez cheguei a carregar nele 13 cães; levamos para castrar no hospital veterinário… Aliás, era um leva e traz, o tempo todo; com tanto bicho, nem poderia ser diferente! E o meu fusquinha nunca me deixou na mão”. Dele, só reclama da embreagem. “Exige uma força de leão!”, diz, rindo.

Idade: 89 ou 90?

A resposta é simples: nas contas de Deus, 90; na dos homens, ainda está com 89. Dona Iracema vive o mesmo dilema de muitos da geração dela: ‘registro atrasado’ no cartório. Só ‘nasceu’ oficialmente mais de um ano depois que veio à luz.

“Eu nasci dia 19 de janeiro de 1934, mas minha certidão foi feita em 2 de fevereiro de 1935, portanto vou celebrar 90 anos daqui cinco meses”, calcula, rindo. “Naquela época era comum; isso não me incomoda, não!”. Dona Iracema tem três filhos, cinco netos e três bisnetos. Nenhum mora em Umuarama.

Fonte: O Bem Dito

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