Volta precoce à vida normal pode ameaçar fim da pandemia no Brasil
Na visão de especialistas, baixa cobertura vacinal e avanço da variante Delta tornam momento delicado para flexibilizações
Conforme a maioria dos estados já atingiu ou se aproxima de 50% da população com a primeira dose de vacina contra a covid-19, prefeitos e governadores já preveem um afrouxamento das restrições que não era visto desde o começo da pandemia.
Na visão de especialistas, a cobertura de apenas 20% das pessoas com o esquema vacinal completo e o avanço da variante Delta do coronavírus tornam o momento delicado para pensar em uma flexibilização tão ampla.
A primeira preocupação tem justamente relação com a vacinação e a variante Delta do coronavírus, muito mais transmissível.
As vacinas usadas no Brasil conferem boa proteção contra a cepa, desde que o indivíduo tenha tomado as duas injeções — exceto para a da Janssen, que é de dose única.
Usar a taxa de 50% da população com uma dose de vacina como parâmetro a fim de atestar a segurança de uma eventual retomada das atividades é visto por especialistas como algo arriscado, até porque não é possível garantir qual percentual dos que receberam uma dose retornará para a segunda.
A doutora em epidemiologia e professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) Ethel Maciel teme que a sensação de volta à normalidade diminua a procura pela segunda dose das vacinas, o que naturalmente já é um desafio para o programa de imunização.
“Em geral, a pessoa toma uma dose a acha que está protegida, então ela acaba diminuindo as medidas de proteção. É importante a gente dizer que essa variante Delta tem impacto na eficácia dessas vacinas. […] Quando ela tem uma dose apenas ela não é considerada vacinada, para ser considerada vacinada, tem que ter o esquema completo.”
Dados atualizados do Ministério da Saúde até sexta-feira (6) mostram que 52,8 milhões de brasileiros com mais de 18 anos ainda não tomaram uma dose sequer de vacina. Outros 63,3 milhões precisam tomar a segunda dose.
Um estudo britânico publicado no New England Journal of Medicine no fim de julho concluiu que a variante Delta tem alta capacidade de deixar doentes indivíduos que receberam apenas uma dose dos imunizantes da Pfizer/BioNTech ou da AstraZeneca, ambos usados no Brasil.
Enquanto quem tomou as duas doses da AstraZeneca tem 67% de chances de não adoecer, os que receberam apenas a primeira têm em torno de 30%.
Na Pfizer, a proteção contra covid-19 assintomática com uma dose é de 88% contra a variante Alfa, mas cai para cerca de 30% contra a Delta.
A variante Delta já representa quase metade dos casos de covid-19 submetidos a sequenciamento genético no estado do Rio de Janeiro. Na região metropolitana de São Paulo, a prevalência é de 23%.
São Paulo e Rio anunciaram recentemente planos de reabertura que foram criticados por especialistas. No Rio, por exemplo, está prevista a liberação de casas noturnas e shows com 50% de ocupação dos espaços a partir de 2 de setembro.
Os efeitos da variante Delta
Na avaliação de epidemiologistas, a cautela no Brasil deve ser adotada partindo do que se observa em outros países, como Israel e Estados Unidos, que já têm mais de 50% das populações completamente vacinadas e tiveram que recuar em algumas medidas.
Recentemente, o governo israelense incentivou o retorno do trabalho remoto, em meio ao avanço da variante Delta no país.
O governo norte-americano teve que voltar a recomendar o uso de máscaras em ambientes fechados, também com um aumento significativo de novos casos, principalmente entre não vacinados.
O médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP Gonzalo Vecina Neto afirma que a volta à normalidade pode ter que ser adiada no Brasil com a ameaça da variante Delta.
“Eu não tenho dúvida que vai adiar, até pode ter algum tipo de abertura, mas vamos viver um efeito sanfona, com certeza.”
Ethel Maciel pontua ainda que o afrouxamento das restrições ocorre no momento em que o Brasil ainda tem um patamar elevado de mortes (em média, mais de 800 por dia).
“A gente está cometendo o mesmo erro, porque no ano passado, nesse período, a gente estava pensando exatamente a mesma coisa: estamos vencendo a pandemia, o Natal vai ser mais tranquilo, podemos abrir tudo, inclusive, discutindo a reabertura das escolas. É um cenário bem semelhante.”
A diferença em relação ao ano passado é, de fato, a vacinação, que, na visão de Vecina Neto, é que deve estar tornando mais lenta a disseminação da variante Delta.
“O que deve estar segurando a variante Delta, é justamente — por pouco que seja — a nossa vacinação.”
Para a vacinação ter condições de controlar a pandemia, ela precisaria ser feita com mais velocidade e em um grande percentual da população. Onde há disponibilidade de doses, como os Estados Unidos e Europa, por exemplo, há resistência de boa parte da população em se vacinar.
No Brasil, embora haja adesão à vacina, ainda não há doses suficientes para, por exemplo, liberar a vacinação para todos, sendo necessário o escalonamento por faixas etárias.
A virologista Angela Rasmusse, do Centro de Ciências e Segurança de Saúde Global da Universidade Georgetown, explica que a vacinação “cria uma barreira para a transmissão do vírus”.
“O problema é que não existem barreiras suficientes” para evitar que o vírus consiga “encontrar um novo receptor” e parar de circular, acrescenta. Portanto, “barreiras adicionais” devem ser mantidas, como o uso de máscaras e o distanciamento social, disse em entrevista à agência de notícias AFP.
Fonte: Notícias R7