Fim anunciado
Gosto muito das coisas simples, acordar de manhã e ir à padaria tomar café, por exemplo, isso é uma coisa que eu gostava de fazer quando morava no Brasil, e que agora foi substituída por uma ida ao 7 eleven, assim volto pra casa com meu café nas mãos.
Meu avô Paulo Santana também adorava café, enquanto fazia seu tratamento de quimioterapia em São Paulo, não via a hora de voltar pro Paraná para poder ficar perto dos seu bichos enquanto bebericava seu café. Todavia, a familia toda tentava persuadi-lo a ficar em São Paulo para que essa viagem Paraná – São Paulo fosse evitada, mas ele se mostrava irredutível e enquanto pode, sempre voltou para seu lar, e mostrava uma certa urgência, “eu tenho que cuidar dos meus bichos”.
Me contam, que a primeira coisa que ele fazia quando chegava de seu tratamento em São Paulo, era justamente sentar-se à mesa tomando café, enquanto brincava com os cachorros que ao seu redor, saudavam sua chegada. Me reconheço no meu avô nesse aspecto, gosto de estar ao redor dos bichos, especialmente cachorros devido a interação que existe com eles, que me parece única.
No livro Por um fio, Drauzio Varella relata que seus pacientes em estado terminal adquiriam mais sabedoria, penso no meu avô como uma hipótese disso, talvez ele soubesse que fosse partir, talvez o próprio corpo, anunciasse que o fim estaria próximo e diante dessa constatação ele se perguntasse o que mais valeria a pena na vida, e possivelmente a conclusão fosse as coisas simples da vida, e é provável que isso aconteça por que não pensamos na finitude quando fazemos as coisas que nos dão prazer. Ou talvez sim, talvez pensemos na finitude e então surge a urgência de priorizarmos aquilo que mais importa, não sabemos de fato.
Antes de falecer, o pai de uma grande amiga foi levado a um parque para poder passear um pouco, lá acendeu um cigarro de maconha, que não é proibido no Estado da Califórnia, e enquanto fumava contemplava seus netos que ao longe brincavam nos brinquedos do parque, lembro claramente da felicidade presente nos olhos dele da qual tive o privilégio te testemunhar.
Escrevo essa crônica em memória desses dois senhores, que não se conheciam, mas que pelo próprio acaso da vida tiveram suas vidas aqui lembradas como uma tentativa de refletir uma vida mais sábia, escrevo essas palavras enquanto tomo meu café matinal, aquele mesmo que comprei no 7 eleven, celebro a vida desses dois cavalheiros enquanto meu pergunto: será que conseguiremos viver uma vida com mais sabedoria sem precisar de um fim anunciado?
Autor: Túlio Hopper