Cientista que “rebaixou” Plutão quer colocar outro mundo na categoria de planeta
Se os estudos recentes sobre a órbita de um possível novo mundo no Sistema Solar estiverem corretos, o Planeta 9 deve se tornar oficial assim que alguém conseguir confirmar sua existência. A ironia é que um dos autores da pesquisa é o astrônomo considerado o maior responsável pela remoção de Plutão da posição de nono planeta do nosso “quintal” cósmico.
O cientista Mike Brown, do Caltech, foi um dos principais — senão o principal — agentes por trás das ações que levaram a uma votação controversa na União Astronômica Internacional (IAU, da sigla em inglês), com sede em Paris. O motivo: a descoberta do objeto Eris, maior e mais massivo que Plutão, significava que eventualmente haveria dezenas de planetas pequenos no Sistema Solar.
Então, Brown apelou à IAU para que a definição de “planeta” fosse alterada, para evitar que o nosso catálogo local de planetas aumentasse demais. A votação foi favorável à mudança, o que levou ao rebaixamento de Plutão para “planeta anão” — e, até hoje, muitos astrônomos consideram essa decisão um erro.
Aliás, a nova definição de planeta — que exige agora que os objetos “limpem” os detritos em suas órbitas — não deixou a comunidade científica muito feliz. Muitos astrônomos preferiram até ignorar a decisão da IAU, mas em vão, pois veículos de comunicação, professores e a literatura em geral adotaram as novas definições.
Seja como for, Plutão, Eris e outros objetos descobertos depois são planetas anões, mas este não é o caso do ainda hipotético Planeta 9. Ainda elusivo, sem nenhuma imagem que comprove sua existência, o mundo transnetuniano deve ter até cinco vezes a massa da Terra, de acordo com Brown.
Em um novo artigo, aprovado para publicação no Astronomical Journal, Mike Brown e d Konstantin Batygin mostraram aquilo que consideram evidências da órbita do Planeta 9. O problema é que ele estaria tão distante do Sol que os instrumentos atuais não conseguem detectar nenhuma luz refletida por ele, mas sua massa seria grande o suficiente para influenciar a órbita de outros objetos no Cinturão de Kuiper.
Brown está confiante da existência deste planeta, mas há estudos que discordam quanto à existência deste mundo afastado. A polêmica já se arrasta há nove anos, desde a primeira observação feita em 2012 pelo astrônomo brasileiro Rodney Gomes, do Observatório Nacional. Ele notou que a órbita de alguns objetos no Cinturão de Kuiper sugeria a força gravitacional de algo grande e massivo.
A hipótese ganhou força em 2016, quando Brown e Batygin publicaram um artigo que mencionava esses objetos de órbita estranha no Cinturão de Kuiper, e explicava como algo massivo estaria exercendo o papel de “organizar” a trajetória desses corpos. Agora, o novo estudo mostra onde exatamente o planeta deve estar.
Com restrições bem estabelecidas sobre a órbita do objeto, espera-se que o telescópio espacial James Webb, ou o Observatório Vera C. Rubin, consiga detectar o que quer que esteja lá fora. Cientistas que concordam com Brown que a descoberta pode ser, de fato, um planeta, ainda parecem guardar algum ressentimento. É que, para eles, muitos objetos no Cinturão de Kuiper também merecem o rótulo, incluindo Plutão.
Um desses astrônomos é Philip Metzger, um físico da Universidade da Flórida Central que pesquisou a literatura científica durante anos após a exclusão de Plutão. Ele quem descobriu que quase todos os cientistas optaram por ignorar o resultado da votação na IAU — que, aliás, foi descrita por esse grupo como algo feito “às pressas”.
Para Mark Sykes, diretor do Instituto de Ciência Planetária do Arizona, o episódio do rebaixamento de Plutão “criou uma divisão entre os cientistas e o público e envia uma mensagem terrível — especialmente para esta época — de que a ciência é feita por decreto com base na autoridade”. Ao que parece, o tema exigia um debate mais amplo antes da votação.
Não que Brown seja algum tipo de “vilão” da história, até porque sua intenção era ter maior liberdade para explorar a complexidade do Sistema Solar sem se preocupar com um número exorbitante de planetas ao redor do Sol. O paradoxo é que isso teve o efeito de simplificar a noção do público. “Por causa da IAU, o público está isolado da emoção de como as coisas estão bagunçadas lá fora. O Sistema Solar está abarrotado de planetas!”, diz Sykes.
O Planeta 9, se confirmado, apenas ressalta o ponto de Sykes: o Sistema Solar tem muito mais planetas do que pensávamos. Por outro lado, os defensores da nova categoria de planetas anões têm como argumento a dificuldade que haveria se tivéssemos que decorar dezenas de nomes como Ceres, Haumea, Makemake.
Não há indícios de que a IAU possa retroceder em sua decisão, estabelecida em 24 de agosto de 2006, mas a lista de planetas pode aumentar mesmo assim. Com telescópios cada vez mais poderosos, e um Sistema Solar que vai muito além do Cinturão de Kuiper, pode ser que o Planeta 9 seja apenas o primeiro de muitos mundos massivos a ser descoberto no século XXI.
Fonte: Canal Tech