Saiba o que se comemora no feriado de 9 de julho em São Paulo
Neste 9 de julho, completa-se o 89º aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932
O que aconteceu em 9 de julho de 1932? A depender de que parte do Brasil se é, a resposta tende a ser diferente.
Em São Paulo, a data é nome de hospital a umas das avenidas mais importantes da cidade, homenageando o que os paulistas conhecem como “a Revolução Constitucionalista de 1932“. Em outras partes do país, onde diferentemente de São Paulo não é feriado, a data tem uma importância muito menor na forma como se conta a história da época.
Foi no dia 9 de julho que eclodiu uma revolta liderada pelos paulistas contra o governo provisório de Getúlio Vargas, que chegou ao poder em 1930.
Para entender o contexto que levou ao conflito armado em 1932 é preciso olhar para a década de 1920, explica o professor de história Gerson Leite de Moraes, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Os anos 20 foram marcados por uma série de levantes encabeçados por militares de baixas patentes do Exército Brasileiro, as chamadas “Revoltas Tenentistas”. Esses militares se opunham ao acordo entre as oligarquias cafeeiras de Minas Gerais e São Paulo, que permitia a elas praticar um “revezamento” no poder central — o que por um período foi conhecido como “República do Café com Leite”.
Embora as revoltas dos tenentes, cabos, soldados e capitães não tenham sido bem-sucedidas, alimentaram a insatisfação contra os homens da Primeira República, iniciada em 1889, com o fim da monarquia no Brasil.
Em 1929, no entanto, a sorte dos oligarcas mineiros e paulistas mudou radicalmente: a crise na Bolsa de Nova York afundou a demanda mundial pelo café, origem da fortuna desses grupos. Pouco antes, em 1926, o Partido Republicano Paulista (PRP), que reunia boa parte dos barões do café no estado, já havia passado por conflitos internos que levaram à criação do Partido Democrático (PD).
Em 1930, a eleição presidencial já deu mostras de que a estrutura que mantinha de pé a Primeira República estava comprometida. São Paulo não quis ceder a vez aos mineiros, e o presidente Washington Luis seria sucedido por outro paulista: Júlio Prestes, que venceu a eleição (bastante contestada) contra Getúlio Vargas. Venceu, mas não levou; apoiado por Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, Vargas pegou em armas e assumiu o poder em 3 de novembro daquele ano.
O conflito
Já no poder, Getúlio Vargas passou a nomear interventores nos estados, extensões do poder central sobre territórios que antes operavam com mais autonomia. Embora não tenha oficialmente suspendido a Constituição de 1891, que vigorava desde o início da República, Vargas governava praticamente sem limites, agindo como chefe do Poder Executivo e também do Poder Legislativo, tendo dissolvido o Congresso Nacional e as câmaras estaduais e municipais.
Os paulistas passaram a cobrar, então, uma nova constituição, que limitasse os poderes de Vargas, cuja interferência em São Paulo, diz Gerson de Moraes, acabou sendo um dos estopins do conflito em 1932.
“Entre 1930 e 1932, São Paulo teve vários interventores, e isso feria o orgulho paulista”, explica. “Em março de 1932, Vargas tentou contornar a situação ao nomear o paulista e civil Pedro de Toledo para ser interventor no estado, mas não funcionou”.
Não funcionou porque a elite paulista pressionou o interventor a formar um secretariado de seu agrado – leia-se: crítico a Vargas e seu Governo Provisório. A iniciativa foi rebatida por Vargas em maio de 1932, quando Oswaldo Aranha, diplomata de sua confiança, foi a São Paulo para destituir os secretários alinhados com os paulistas.
A visita de Oswaldo Aranha rendeu uma série de manifestações populares que acabaram reprimidas por tropas federais. Em uma delas, os jovens paulistas Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo foram mortos, evento que, segundo Gerson, levou à grande comoção na época, e colocou São Paulo na eminência de um conflito armado contra o governo federal.
Os quatro jovens mortos se tornaram símbolo do que, para os paulistas da época, era interpretado como autoritarismo de Vargas. O acrônimo MMDC passou a representar a indignação contra o governo central e a memória dos mártires da luta contra submissão de São Paulo.
Finalmente, em 9 de julho de 1932, o movimento armado paulista eclodiu, apoiado até pela Frente Única Paulista, que recolocou do mesmo lado os militantes do PRP e do PD.
“Quando São Paulo começa o levante, imagina que vai ter a adesão de outros estados, como Mato Grosso, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Mas, com o passar o tempo, isso não acontece. A revolução começou em julho, durou quase três meses e mobilizou, segundo historiadores, entre 100 e 150 mil pessoas em São Paulo”, diz o professor da Mackenzie.
No fim, São Paulo perdeu o embate, e calcula-se que tenham morrido entre 600 e 900 pessoas.
“As pessoas tiveram suas vidas mudadas. Toda a indústria de São Paulo passou a ser mobilizada para esse esforço de guerra, mas São Paulo seguiu isolado e sem recursos, usando de todas as estratégias possíveis e imagináveis, algumas até mirabolantes, para combater as tropas federais”, disse Gerson, cujos avós testemunharam as invasões do Exército na cidade de Itapira, por onde passavam os soldados do governo federal vindos da mineira Jacutinga.
Um fato, três versões
“Existe um ditado romano que ilustra bem o impasse: ‘nada muda mais do que o passado'”. É dessa forma que Gerson de Moraes responde à pergunta sobre os verdadeiros motivos de São Paulo ter se lançado em um conflito armado contra a União.
De acordo com o professor, há três versões que explicam a Revolução de 1932:
A tese constitucionalista
“Na visão dos paulistas, principalmente os contemporâneos, pode-se dizer que o movimento foi de fato constitucionalista, esse foi o pretexto e, provavelmente, muita gente embarcou acreditando nisso”, explica o historiador. A revolta seria, portanto, uma maneira de fazer frente ao ímpeto ditatorial de Getúlio Vargas e garantir a autonomia de São Paulo.
A tese revanchista
“Para quem acredita na tese revanchista, a revolução seria um movimento para a oligarquia paulista, derrotada em 1930, tentar retornar ao poder por meio da força das armas. Assim, ela teria a velha preponderância da Primeira República”, pontua Gerson.
A tese separatista
A ideia de que a Revolução de 1932 foi, na verdade, um movimento pela independência de São Paulo do resto Brasil. Segundo Gerson, de fato, há registros de que houve a defesa dessa pauta, que teria sido encampada até por Monteiro Lobato, mas a tese foi, em sua opinião “um argumento lateral, que nunca encantou a própria oligarquia, muito menos a população”, mas acabou usada por Vargas para justificar a repressão ao conflito.
Foi revolução?
Se os paulistas acabaram derrotados, onde está a revolução que acabou incorporada no nome? O historiador da Mackenzie explica que o termo “revolução”, com o tempo, ganhou um caráter semântico muito amplo. “Os militares de 1964 diziam que estavam fazendo uma revolução, assim como Vargas em 1930”, destaca.
Apesar do debate sobre o termo, Gerson retoma a ideia de que a história muda, e reflete sempre os interesses e crenças de seus atores e intérpretes.
“A revolta foi constitucionalista pela visão dos paulistas, revanchista a partir da visão dos varguistas. Mas foi, em última instância, uma guerra civil”, conclui o professor.
Fonte: JACidade